sábado, 26 de março de 2016

O Espiritismo NÃO FAZ MILAGRES!

4. O Espiritismo, pois, vem, a seu turno, fazer o que cada ciência fez no seu advento: revelar novas leis e explicar, conseguintemente, os fenômenos compreendidos na alçada dessas leis.
Esses fenômenos, é certo, se prendem à existência dos Espíritos e à intervenção deles no mundo material e isso é, dizem, o em que consiste o sobrenatural. Mas, então, fora mister se provasse que os Espíritos e suas manifestações são contrárias às leis da Natureza; que aí não há, nem pode haver, a ação de uma dessas leis.
O Espírito mais não é do que a alma sobrevivente ao corpo; é o ser principal, pois que não morre, ao passo que o corpo é simples acessório sujeito à destruição. Sua existência, portanto, é tão natural depois, como durante a encarnação; está submetido às leis que regem o princípio espiritual, como o corpo o está às que regem o princípio material; mas, como estes dois princípios têm necessária afinidade, como reagem incessantemente um sobre o outro, como da ação simultânea deles resultam o movimento e a harmonia do conjunto, segue-se que a espiritualidade e a materialidade são duas partes de um mesmo todo, tão natural uma quanto a outra, não sendo, pois, a primeira uma exceção, uma anomalia na ordem das coisas.

5. Durante a sua encarnação, o Espírito atua sobre a matéria por intermédio do seu corpo fluídico ou perispírito, dando-se o mesmo quando ele não está encarnado. Como Espírito e na medida de suas capacidades, faz o que fazia como homem; apenas, por já não ter o corpo carnal para instrumento, serve-se, quando necessário, dos órgãos materiais de um encarnado, que vem a ser o a que se chama médium. Procede então como um que, não podendo escrever por si mesmo, se vale de um secretário, ou que, não sabendo uma língua, recorre a um intérprete. O secretário e o intérprete são os médiuns de um encarnado, do mesmo modo que o médium é o secretário ou o intérprete de um Espírito.

6. Já não sendo o mesmo que no estado de encarnação o meio em que atuam os Espíritos e os modos por que atuam, diferentes são os efeitos, que parecem sobrenaturais unicamente porque se produzem com o auxílio de agentes que não são os de que nos servimos. Desde, porém, que esses agentes estão na Natureza e as manifestações se dão em virtude de certas leis, nada há de sobrenatural, ou de maravilhoso. Antes de se conhecerem as propriedades da eletricidade, os fenômenos elétricos passavam por prodígios para certa gente; desde que se tornou conhecida a causa, desapareceu o maravilhoso. O mesmo ocorre com os fenômenos espíritas, que não são mais aberrantes das leis naturais do que os fenômenos elétricos, acústicos, luminosos e outros, que serviram de fundamento a uma imensidade de crenças supersticiosas.

7. Entretanto, dir-se-á, admitis que um Espírito pode levantar uma mesa e 
mantê-la no espaço sem ponto de apoio; não está aí uma derrogação da lei da gravidade? — Sim, da lei conhecida. Conhecem-se, porém, todas as leis? Antes que se houvesse experimentado a força ascensional de alguns gases, quem diria que uma pesada máquina, transportando muitos homens, poderia triunfar da força de atração? Ao vulgo, isso não pareceria maravilhoso, diabólico? Aquele que se houvera proposto, há um século, a transmitir uma mensagem a 500 léguas e receber a resposta dentro de alguns minutos, teriam passado por louco; se o fizesse, teriam acreditado estar o diabo às suas ordens, porquanto, então, só o diabo era capaz de andar tão depressa. Hoje, no entanto, não só se reconhece possível o fato, como ele parece naturalíssimo. Por que, pois, um fluido desconhecido careceria da propriedade de contrabalançar, em dadas circunstâncias, o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? É, efetivamente, o que sucede, no caso de que se trata. (
O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. IV.)

8. Uma vez que estão no quadro dos da Natureza, os fenômenos espíritas se hão produzido em todos os tempos; mas, precisamente, porque não podiam ser estudados pelos meios materiais de que dispõe a ciência vulgar, permaneceram muito mais tempo do que outros no domínio do sobrenatural, donde o Espiritismo agora os tira.

Baseado em aparências inexplicadas, o sobrenatural deixa livre curso à imaginação que, a vagar pelo desconhecido, gera as crenças supersticiosas. Uma explicação racional, fundada nas leis da Natureza, reconduzindo o homem ao terreno da realidade, fixa um ponto de parada aos transviamentos da imaginação e destrói as superstições. Longe de ampliar o domínio do sobrenatural, o Espiritismo o restringe até aos seus limites extremos e lhe arrebata o último refúgio. Se é certo que ele faz crer na possibilidade de alguns fatos, não menos certo é que, por outro lado, impede a crença em diversos outros, porque demonstra, no campo da espiritualidade, a exemplo da Ciência no da materialidade, o que é possível e o que não o é. Todavia, como não alimenta a pretensão de haver dito a última palavra seja sobre o que for, nem mesmo sobre o que é da sua competência, ele não se apresenta como absoluto regulador do possível e deixa de parte os conhecimentos reservados ao futuro.

9. Os fenômenos espíritas consistem nos diferentes modos de manifestação da alma ou Espírito, quer durante a encarnação, quer no estado de erraticidade. É pelas manifestações que produz que a alma revela sua existência, sua sobrevivência e sua individualidade; julga-se dela pelos seus efeitos; sendo natural a causa, o efeito também o é. São esses efeitos que constituem objeto especial das pesquisas e do estudo do Espiritismo, a fim de chegar-se a um conhecimento tão completo quanto possível, assim da natureza e dos atributos da alma, como das leis que regem o princípio espiritual.

10. Para os que negam a existência do princípio espiritual independente, que negam, por conseguinte, a da alma individual e sobrevivente, a Natureza toda está na matéria tangível; todos os fenômenos que concernem à espiritualidade são, para esses negadores, sobrenaturais e, portanto, quiméricos. Não admitindo a causa não podem eles admitir os efeitos e, quando estes são patentes, os atribuem à imaginação, à ilusão, à alucinação e se negam a aprofundá-los. Daí, a opinião preconcebida em que se acastelam e que os torna inaptos a apreciar judiciosamente o Espiritismo, porque parte do princípio de negação de tudo o que não seja material.

11. Do fato, porém, de o Espiritismo admitir os efeitos, que são corolário da existência da alma, não se segue que admita todos os efeitos qualificados de maravilhosos e que se proponha a justificá-los e dar-lhes crédito; que se faça campeão de todos os devaneios, de todas as utopias, de todas as excentricidades sistemáticas, de todas as lendas miraculosas. Fora preciso conhecê-lo muito pouco, para pensar assim. Seus adversários julgam opor-lhe um argumento irreplicável, quando, depois de haverem feito eruditas pesquisas sobre os convulsionários de Saint-Médard, sobre os camisardos das Cevenas, ou sobre os religiosos de Loudun, chegaram a descobrir fatos patentes de embuste, que ninguém contesta. Mas, essas histórias serão, porventura, o Evangelho do Espiritismo? Já terão seus adeptos negado que o charlatanismo haja explorado em proveito próprio alguns fatos; que a imaginação os tenha criado; que o fanatismo os haja exagerado muitíssimo? Ele é tão solidário com as extravagâncias que se cometam em seu nome, como a Ciência o é com os abusos da ignorância e a verdadeira religião com os abusos do fanatismo. Muitos críticos julgam do Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares, ficções daqueles contos. O mesmo seria julgar da História pelos romances históricos ou pelas tragédias.

12. Os fenômenos espíritas são as mais das vezes espontâneos e se produzem sem nenhuma ideia preconcebida da parte das pessoas com quem eles se dão e que, em regra, são as que neles menos pensam. Alguns há que, em certas circunstâncias, podem ser provocados pelos agentes denominados médiuns. No primeiro caso, o médium é inconsciente do que se produz por seu intermédio; no segundo, age com conhecimento de causa, donde a classificação de médiuns conscientes e médiuns inconscientes. Estes últimos são os mais numerosos e se encontram com frequência entre os mais obstinados incrédulos que, assim, praticam o Espiritismo sem o saberem, nem quererem. Por isso mesmo, os fenômenos espontâneos revestem capital importância, visto não se poder suspeitar da boa-fé dos que os obtêm. Dá-se aqui o que se dá com o sonambulismo que, em certos indivíduos, é natural e involuntário, enquanto que noutros é provocado pela ação magnética.1 (O Livro dos Médiuns, 2a Parte, cap. V — Revue Spirite; exemplos: dezembro de 1865, pág. 370, agosto de 1865, pág. 231.)
Resultem, porém, ou não esses fenômenos de um ato da vontade, a causa primária é exatamente a mesma e não se afasta uma linha das leis naturais. Os médiuns, portanto, nada absolutamente produzem de sobrenatural; por conseguinte, nenhum milagre fazem. As próprias curas instantâneas não são mais milagrosas, do que os outros efeitos, dado que resultam da ação de um agente fluídico, que desempenha o papel de agente terapêutico, cujas propriedades não deixam de ser naturais por terem sido ignoradas até agora. É, pois, totalmente impróprio o epíteto de taumaturgos que a crítica ignorante dos princípios do Espiritismo há dado a certos médiuns. A qualificação de milagres emprestada, por comparação, a esta espécie de fenômenos, somente pode induzir em erro sobre o verdadeiro caráter deles.

13. A intervenção de inteligências ocultas nos fenômenos espíritas não os torna mais milagrosos do que todos os outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos que povoam os espaços são uma das forças da Natureza, força cuja ação é incessante sobre o mundo material, tanto quanto sobre o mundo moral.
Esclarecendo-nos acerca dessa força, o Espiritismo faculta a elucidação de uma imensidade de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que, por isso, passaram por prodígios nos tempos idos. Do mesmo modo que o magnetismo, ele revela uma lei, senão desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, melhor dizendo, conheciam-se os efeitos, porque eles em todos os tempos se produziram, porém não se conhecia a lei e foi o desconhecimento desta que gerou a superstição. Conhecida essa lei, desaparece o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que tanto operam um milagre os espíritas quando fazem que uma mesa se mova sozinha, ou que os mortos escrevam, como um milagre opera o médico, quando faz que um moribundo reviva, ou o físico, quando faz que o raio caia. Aquele que pretendesse, com o auxílio desta ciência, fazer milagres seria ou um ignorante do assunto, ou um enganador de tolos.

14. Pois que o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas miraculosas, haverá, fora dele, milagres, na acepção usual desta palavra?


Digamos, primeiramente, que, dos fatos reputados milagrosos, ocorridos antes do advento do Espiritismo e que ainda no presente ocorrem, a maior parte, senão todos, encontram explicação nas novas leis que ele veio revelar. Esses fatos, portanto, se compreendem, embora sob outro nome, na ordem dos fenômenos espíritas e, como tais, nada têm de sobrenatural. Fique, porém, bem entendido que nos referimos aos fatos autênticos e não aos que, com a denominação de milagres, são produto de uma indigna trampolinice, com o fito de explorar a credulidade. Tampouco nos referimos a certos fatos lendários que podem ter tido, originariamente, um fundo de verdade, mas que a superstição ampliou até ao absurdo. Sobre esses fatos é que o Espiritismo projeta luz, fornecendo meios de apartar do erro a verdade.

Allan Kardec
A Gênese - "Os Milagres".
Cap. XIII - Itens de 4 à 14. - O Espiritismo não faz milagres.

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