segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Deus não se vinga.

O que precede não é senão um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias. Eu vos falei de ideias preconcebidas, há outras além daquelas que vêm das tendências do inspirado; há as que são a consequência de uma instrução errada, de uma interpretação acreditada por um tempo mais ou menos longo, que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida, e que, passadas ao estado crônico, não podem ser modificadas senão por heroicos esforços, sobretudo quando elas têm para si a autoridade do ensinamento religioso e de livros reservados. Uma dessas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, na sua pessoa ou em seus interesses se vingue, isto se concebe; essa vingança, embora culposa, está na margem feita às imperfeições humanas; mas um pai que se vinga sobre seus filhos, levanta a indignação geral, porque todos sentem que um pai, encarregado do cuidado de formar seus filhos, pode reparar os erros, corrigir os defeitos por todos os meios que estão em seu poder, mas que a vingança lhe está interditada, sob pena de tornar estranho a todos os direitos da paternidade.

Sob o nome de vindita pública, a sociedade que se vai vingava-se dos culpados: a punição infligida, frequentemente cruel, era a vingança que ela tirava das más ações de um homem perverso; ela não tinha nenhum cuidado no melhoramento desse homem, deixava a Deus o cuidado de puni-lo ou de perdoá-lo; bastava-lhe impressionar com um terror, que ela acreditava salutar, os futuros culpados. A sociedade que vem não pensa mais assim; se ela não age ainda tendo em vista o melhoramento do culpado, compreende ao menos o que a vingança tem de odioso por si mesma; salvaguardar a sociedade contra os ataques de um criminoso lhe basta, e, o medo de um erro judiciário ajudando, logo a pena capital desaparecerá de vossos códigos.

Se a sociedade se encontra hoje muito grande diante de um culpado para se deixar ir à cólera e se vingar dele, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se comova de um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado a se arrepender? Crer na cólera de Deus é um orgulho da Humanidade, que pensa ser de um grande peso na balança divina. Se a planta de vosso jardim vem mal, se ela se curva, ireis vos encolerizar e vos vingar do seu mau sucesso? Não, a endireitareis se puderdes, dar-lhe-eis um tutor, incomodareis, por entraves, suas más tendências, a transplantareis se necessário, mas não a vingareis; assim faz Deus.

Deus se vingar, que blasfêmia! que diminuição da grandeza divina! que ignorância da distância infinita que separa o Criador de sua criatura! Que esquecimento de sua bondade e de sua justiça!

Deus virá, numa existência em que não vos reste nenhuma lembrança de vossos erros passados, vos fazer pagar caro as faltas que podeis ter cometido numa época apagada de vosso ser! Não, não, Deus não age assim; ele entrava o voo de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, endireita o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente que faz desejar a existência de um sentimento que o homem nem conheceu nem provou. Como pai, corrige, mas, como pai também, não se vinga.

Guardai-vos dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, restos perdido de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas cuja porta está aberta sobre vossas novas doutrinas, e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para diminuí-la ainda por crenças errôneas; quanto mais vos sentirdes libertos em vós, mais tereis responsabilidade, sem dúvida; mas, mais também os esforços de vossa vontade vos conduzirão para a frente no caminho do progresso.


PASCAL.
Revista Espírita. Maio de 1865.


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