À pergunta -
existe a alma? - a ciência responde talvez, os fenômenos do magnetismo, do
hipnotismo e da anestesia dizem que sim, e nisso confirmam todas as deduções da
filosofia e as afirmações da consciência.
Constrangidos,
pela evidência dos fatos, a admitir uma força diretriz no homem, grande número
de materialistas se refugiam em uma última negativa, sustentando que essa
energia se extingue com o corpo, de que ela não era senão uma emanação. Como
todas as forças físicas e químicas, dizem eles, a alma, essa resultante vital,
cessa com a causa que a produz; morto o homem, está aniquilada a alma.
Será
possível? Não seremos mais que um simples conglomerado vulgar de moléculas sem
solidariedade umas com as outras? Deve desaparecer para sempre nossa individualidade cheia de amor e, do que foi um homem, não restará verdadeiramente senão um
cadáver destinado a desagregar-se, lentamente, na fria noite do túmulo?
Ante a
grandiosa questão da imortalidade do ser pensante, diante desse temível
problema que tem apaixonado as maiores inteligências, em face desse ignoto,
cheio de mistério, não hesitamos em responder de maneira afirmativa.
Temos provas
seguras da existência da alma após a morte; podemos estabelecer
irrefutavelmente que estamos com a verdade e isto, com o auxílio de
experiências simples, práticas, ao alcance de todos, e para cuja explicação
não se faz mister um gênio transcendente. O ignorante pode, como o sábio, ter
uma convicção, e esse resultado é devido a uma ciência nova - o Espiritismo.
Quando se
pensa na gravidade ligada à solução do problema da sobrevivência do eu e nas
conseqüências que daí resultam, não se poderia achar demasiado insistir nos
fenômenos que nos mostram, de forma probante, a existência da alma depois da
morte. A vida social, as leis que a dirigem são baseadas num ideal moral que só
se pode apoiar na crença em Deus e numa vida futura.
Há longos
séculos, com efeito, os povos, confiando nos princípios de suas religiões, que
lhes pareciam inabaláveis, aceitaram as leis ditadas por seus legisladores.
Mas, com os tempos modernos, com a discussão livre, levantaram-se dúvidas
sobre a legitimidade dessas leis; o direito divino, que fazia de um homem o
senhor de um povo, sossobrou na tormenta de 93, e esse resultado é devido,
assim em política como em filosofia, ao descrédito em que caíram as idéias
religiosas. Havia aliança íntima entre a realeza e o clero; quando os
enciclopedistas minaram os dogmas, com o mesmo golpe ruiu o trono.
A fé cega,
imposta pelos padres, produziu erros e crimes sem número, contra os quais se
revoltou o espírito humano, livre dos preconceitos. Ninguém encara, sem horror,
as matanças dos valdenses, dos albigenses, dos camisardos. Os gritos das
vítimas de S. Bartolomeu, dos Savonarola e dos João Huss repercutem
dolorosamente no fundo dos corações, e os suplícios da Inquisição, seus
monstruosos autos-de-fé lançam sangrenta mancha na história do catolicismo. Os
fanáticos que condenaram Galileu nada conheciam das maravilhas do Universo; a
fé estreita e intolerante que possuíam só podia gerar a ignorância e a
credulidade.
Os cristãos
da idade média faziam mesquinha idéia de nosso Mundo, que só conheciam em
parte. Consideravam-no como a base do Universo; não viam no Céu senão a morada
de Deus e nas estrelas mais que pontos luminosos. Tinham, assim, estabelecido
uma hierarquia grosseira, colocando o inferno no centro da Terra e o paraíso
acima do Sol, de sorte que éramos o eixo de toda a criação, e fora do nosso
mundículo nada existia.
A
Astronomia, porém, veio destruir essa fabulosa concepção. Ampliaram-se os
nossos conhecimentos, a nossos olhos, enlevados, o infinito descobriu os seus
espaços. As estrelas não são mais pontos brilhantes disseminados pela mão do
Criador, para iluminar as noites, porém mundos imensos que rolam no vazio,
sóis radiantes, que arrastam em sua corrida, através do infinito, um cortejo
de planetas. A imensidade nos apareceu com suas profundezas insondáveis;
sabemos que nossa Terra é parte ínfima dessa poeira de mundos que turbilhonam
no éter, de. sorte que as crenças baseadas em nosso orgulho apagaram-se ao sopro
da realidade.
O Universo
inteiro ostentou diante de nós os esplendores de sua harmonia eterna, a
simetria inalterável de suas transformações, sua imutabilidade, sua imensidade!
Diante de tão novos espetáculos, reconheceu os homens a inanidade de suas
crenças primitivas, queimaram o que haviam adorado, e, levando o desdém do
passado aos últimos limites, repeliram a noção de Deus e a da alma, como de
entidades vetustas, sem nenhum valor objetivo. Assim se estabeleceu a corrente
materialista nascida, no 18: século, da luta contra os abusos.
O homem de
nossa época não quer mais crer, desconfia mesmo da razão e se refugia na
experiência sensível como a única que lhe pode trazer a verdade; eis por que
exige ele provas positivas dos fenômenos que eram, até então, do domínio da
filosofia. Estas considerações explicam-nos o pouco êxito de escritores
eminentes como Ballanche, Constant Savy, Esquiros, Charles Bonnet, Jean
Reynaud, que pregaram a imortalidade da alma.
Em nossos
dias, um filósofo e sábio, Camille Flammarion, segue a rota gloriosa desses
grandes homens. Este vulgarizador de gênio semeia a mancheias as idéias da
palingenesia humana, e os resultados correspondem a seus nobres esforços; ele
deve, porém, a fama que alcançou, mais à beleza do estilo que às idéias que
emite. O espírito humano, agitado há séculos entre os mais diversos sistemas,
está cansado das especulações metafisicas e se aferra à observação material
como a uma tábua de salvação. Daí o grande crédito dos homens de ciência no
momento atual. Eles formam uns corpos sagrados, cujos julgamentos não têm
apelação. Possuem a soberba dos antigos colégios sacerdotais, sem lhes
partilhar as raras virtudes, e em ambas as partes a intolerância é a mesma.
A maioria do
povo, que só percebe o exterior das coisas, vendo os conhecimentos antigos
destruídos pelos descobrimentos modernos, crê cegamente em seus novos
condutores e se lança, após eles, no materialismo absoluto.
Não mais se
raciocina; vai-se de cabeça baixa as últimas conseqüências, e, porque está
provado que o cérebro é a sede do pensamento, já não existe a alma; porque não
se acredita mais em Jeová a pairar sobre as nuvens, Deus não passa de fabuloso
mito.
Contra essas
tendências é que o Espiritismo vem reagir. Sendo o nosso século o da
demonstração material, ele apresenta ao observador imparcial fatos bem verificados.
O
Espiritismo deixa de parte as teorias nebulosas, desprendem-se dos dogmas e das
superstições e vai apoiar-se na base inabalável da observação científica; os
próprios positivistas poderão declararem-se satisfeitos com as provas que
fornecemos à discussão, porque elas nos são trazidas pelos maiores nomes de que
se honra a ciência contemporânea.
Há 50 anos
que essa doutrina reapareceu no Mundo, foi submetida a críticas apaixonadas, a
ataques muitas vezes desleais. Seus adeptos foram escarnecidos, ridicularizados,
anatematizados; quis-se fazer deles os últimos representantes da feitiçaria;
entretanto, apesar das perseguições, acham-se na hora atual mais numerosos e
mais poderosos do que nunca; encontram-se, não entre os ignorantes, mas entre
os esclarecidos; escritores, artistas, sábios.
O
Espiritismo se espalha no Mundo com rapidez inaudita; nenhuma filosofia,
nenhuma religião tomou tão considerável desenvolvimento em tão curto tempo.
Hoje, mais
de 40 publicações, mensais ou biebdomadárias, levam ao longe o resultado das
pesquisas empreendidas em todas as partes do Mundo, e seus partidários,
grupados em sociedade, contam muitos milhões de aderentes em toda a superfície
do Globo.
A que é
devida essa progressão formidável? Tão-só à simplicidade dos ensinos
espiritistas, baseados na justiça de Deus, e, sobretudo, aos meios práticos que
essa nova ciência emprega para convencer a todos da imortalidade da alma.
Há duas
fases distintas na história do Espiritismo, que é útil assinalar. A primeira
compreende o período que vai do ano de 1846, data de sua aparição, até o ano
de 1869, que foi o da morte de um escritor célebre, Allan Kardec. Durante esse
tempo, estudou-se em toda parte o fenômeno espírita, as experiências se
multiplicaram e os observadores sérios descobriram que os fatos novos eram
produzidos por inteligências que viviam uma existência diferente da nossa.
Dessa certeza nasceu o desejo de estudar tão curiosas manifestações, e, com
documentos recolhidos em toda a parte, Allan Kardec, compôs O Livro dos
Espíritos e, mais tarde, O Livro dos Médiuns, que são o indispensável às pessoas desejosas de se
iniciarem nessas novas práticas. O grande filósofo que os escreveu, imprimiu
vigoroso impulso a tais investigações, e à sua dedicação infatigável, pode
dizer-se, é que se deve a propagação tão rápida dessas consoladoras verdades.
O segundo
período, que se estende de 1869 até nossos dias, é caracterizado pelo movimento
científico, que se voltou para as manifestações dos Espíritos. A Inglaterra, a
Alemanha, a América parecem caminhar de acordo nessas pesquisas. Já os mais
autorizados sábios desses países proclamam alto a realidade dos fenômenos
espiritistas e, dentro em pouco, o mundo inteiro se associará a esses nobres
trabalhos, que têm por fim arrancar-nos à crença degradante do materialismo.
Já veremos os documentos em que se estriba nossa afirmação.
Passou o
tempo em que se podia, a priori, repelir as nossas idéias sem lhes dar a honra
de as discutir; hoje, o Espiritismo se impõe à atenção pública. É preciso que
os absurdos preconceitos que o acolheram no berço desapareçam diante da
realidade. É necessário saber que, longe de serem visionários, de possuírem
cérebro oco, os espiritistas são observadores frios e metódicos, que só
relatam os fatos bem observados.
Força é que
se convençam de que muitos milhões de homens não são vítimas de uma loucura
contagiosa; que, se crêem, é porque a doutrina lhes oferece os mais dignos
ensinos, porque abre ao espírito os mais vastos horizontes. Convém, enfim, que
se deixem de lado as fáceis zombarias empregadas há vinte e cinco anos nos jornalecos,
e que nem mesmo fazem rir os que os editam. A nova ciência que ensinamos não
consiste, somente, no movimento de uma mesa, porque, tão grande é a distância
que vai destes modestos ensaios às suas consequências, quão a maçã de Newton à
gravitação universal.
Convidamos
os homens de boa fé a fazerem pesquisas sérias, pedimos-lhes que meditem nos
ensinamentos de nossa filosofia e eles se convencerão de que nas nossas
explicações nunca intervém o sobrenatural.
O
Espiritismo repele o milagre com todas as forças. Faz de Deus o ideal da
justiça e da ciência; diz que o Criador do Mundo, tendo estabelecido leis que
exprimem seu pensamento, não pode derrogá-las, pois que elas são a obra da
razão suprema e é impossível qualquer infração a essas leis. Os fatos espíritas
podem ser todos, senão explicados, pelo menos compreendidos com os dados da
ciência atual, o que demonstraremos no fim desta obra.
A parte
espiritual do homem foi desprezada pelos sábios; seus trabalhos versavam tão-só
sobre o corpo e eis que os Espíritos invadem a Ciência que os havia desdenhado.
O Espiritismo Perante à Ciência - Gabriel Delanne
Terceira Parte - Cap. 1.