18. Pretender-se que o sobrenatural é o fundamento de toda religião,
que ele é o fecho de abóbada do edifício cristão, é sustentar perigosa tese.
Assentar exclusivamente as verdades do Cristianismo sobre a base do maravilhoso
é dar-lhe fraco alicerce, cujas pedras facilmente se soltam. Essa tese, de que
se constituíram defensores eminentes teólogos, leva direito à conclusão de que,
em breve tempo, já não haverá religião possível, nem mesmo a cristã, desde que
se chegue a demonstrar que é natural o que se considerava sobrenatural, visto
que, por mais que se acumulem argumentos, não se logrará sustentar a crença de
que um fato é miraculoso, depois de se haver provado que não o é. Ora, a prova
existe de que um fato não constitui exceção às leis naturais, logo que pode ser
explicado por essas mesmas leis e que, podendo reproduzir-se por intermédio de um
indivíduo qualquer, deixa de ser privilégio dos santos. O de que necessitam as
religiões não é do sobrenatural, mas do princípio espiritual, que erradamente costumam confundir com o maravilhoso e sem o
qual não há religião possível.
O Espiritismo considera de um ponto mais elevado
a religião cristã; dá-lhe base mais sólida do que a dos milagres: as imutáveis
leis de Deus, a que obedecem assim o princípio espiritual, como o princípio
material. Essa base desafia o tempo e a Ciência, pois que o tempo e a Ciência virão
sancioná-la.
Deus não se torna menos digno da nossa
admiração, do nosso reconhecimento, do nosso respeito, por não haver derrogado
suas leis, grandiosas, sobretudo, pela imutabilidade que as caracteriza. Não se
faz mister o sobrenatural, para que se preste a Deus o culto que lhe é devido.
A Natureza não é de si mesma tão imponente, que dispense se lhe acrescente seja
o que for para provar a suprema potestade? Tanto menos incrédulos topará a
religião, quanto mais a razão a sancionar em todos os pontos. O Cristianismo
nada tem que perder com semelhante sanção; ao contrário, só tem que ganhar. Se
alguma coisa o há prejudicado na opinião de muitas pessoas, foi precisamente o
abuso do sobrenatural e do maravilhoso.
19. Se tomarmos a palavra milagre em
sua acepção etimológica, no sentido de coisa admirável, teremos milagres incessantemente sob as vistas. Aspiramo-los
no ar e calcamo-los aos pés, porque tudo então é milagre em a Natureza.
Querem dar ao povo, aos ignorantes, aos pobres de
espírito uma ideia do poder de Deus? Mostrem-no na sabedoria infinita que
preside a tudo, no admirável organismo de tudo o que vive, na frutificação das
plantas, na apropriação de todas as partes de cada ser às suas necessidades, de
acordo com o meio onde ele é posto a viver. Mostrem-lhes a ação de Deus na
vergôntea de um arbusto, na flor que desabrocha, no Sol que tudo vivifica.
Mostrem-lhes a sua bondade na solicitude que dispensa a todas as criaturas, por
mais ínfimas que sejam, a sua previdência, na razão de ser de todas as coisas,
entre as quais nenhuma inútil se conta, no bem que sempre decorre de um mal
aparente e temporário. Façam-lhes compreender, principalmente, que o mal real é
obra do homem e não de Deus; não procurem espavori-los com o quadro das penas
eternas, em que acabam não mais crendo e que os levam a duvidar da bondade de Deus;
antes, deem-lhes coragem, mediante a certeza de poderem um dia redimir-se e
reparar o mal que hajam praticado. Apontem-lhes as descobertas da Ciência como
revelações das leis divinas e não como obras de Satanás. Ensinem-lhes,
finalmente, a ler no livro da Natureza, constantemente aberto diante deles;
nesse livro inesgotável, em cada uma de cujas páginas se acham inscritas a
sabedoria e a bondade do Criador. Eles, então, compreenderão que um Ser tão
grande, que com tudo se ocupa, que por tudo vela, que tudo prevê, forçosamente
dispõe do poder supremo. Vê-lo-á o lavrador, ao sulcar o seu campo; e o
desditoso, nas suas aflições, o bendirá dizendo: Se sou infeliz, é por culpa
minha. Então, os homens serão verdadeiramente religiosos, racionalmente
religiosos, sobretudo, muito mais do que acreditando em pedras que suam sangue,
ou em estátuas que piscam os olhos e derramam lágrimas.
A GÊNESE
Cap. XIII - Carácteres dos Milagres. Item 18 e 19.