O
que precede não é senão um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras ideias.
Eu vos falei de ideias preconcebidas, há outras além daquelas que vêm das tendências
do inspirado; há as que são a consequência de uma instrução errada, de uma interpretação
acreditada por um tempo mais ou menos longo, que tiveram sua razão de ser numa
época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida, e que, passadas
ao estado crônico, não podem ser modificadas senão por heroicos esforços, sobretudo
quando elas têm para si a autoridade do ensinamento religioso e de livros reservados.
Uma dessas ideias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho,
na sua pessoa ou em seus interesses se vingue, isto se concebe; essa vingança, embora
culposa, está na margem feita às imperfeições humanas; mas um pai que se vinga
sobre seus filhos, levanta a indignação geral, porque todos sentem que um pai, encarregado
do cuidado de formar seus filhos, pode reparar os erros, corrigir os defeitos por
todos os meios que estão em seu poder, mas que a vingança lhe está interditada,
sob pena de tornar estranho a todos os direitos da paternidade.
Sob
o nome de vindita pública, a sociedade que se vai vingava-se dos culpados: a punição
infligida, frequentemente cruel, era a vingança que ela tirava das más ações de
um homem perverso; ela não tinha nenhum cuidado no melhoramento desse homem, deixava
a Deus o cuidado de puni-lo ou de perdoá-lo; bastava-lhe impressionar com um terror,
que ela acreditava salutar, os futuros culpados. A sociedade que vem não pensa mais
assim; se ela não age ainda tendo em vista o melhoramento do culpado, compreende
ao menos o que a vingança tem de odioso por si mesma; salvaguardar a sociedade
contra os ataques de um criminoso lhe basta, e, o medo de um erro judiciário ajudando,
logo a pena capital desaparecerá de vossos códigos.
Se
a sociedade se encontra hoje muito grande diante de um culpado para se deixar ir
à cólera e se vingar dele, como quereis que Deus, participando de vossas
fraquezas, se comova de um sentimento irascível e fira por vingança um pecador
chamado a se arrepender? Crer na cólera de Deus é um orgulho da Humanidade, que
pensa ser de um grande peso na balança divina. Se a planta de vosso jardim vem
mal, se ela se curva, ireis vos encolerizar e vos vingar do seu mau sucesso?
Não, a endireitareis se puderdes, dar-lhe-eis um tutor, incomodareis, por
entraves, suas más tendências, a transplantareis se necessário, mas não a
vingareis; assim faz Deus.
Deus
se vingar, que blasfêmia! que diminuição da grandeza divina! que ignorância da
distância infinita que separa o Criador de sua criatura! Que esquecimento de
sua bondade e de sua justiça!
Deus
virá, numa existência em que não vos reste nenhuma lembrança de vossos erros
passados, vos fazer pagar caro as faltas que podeis ter cometido numa época apagada
de vosso ser! Não, não, Deus não age assim; ele entrava o voo de uma paixão funesta,
corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, endireita o egoísmo do passado
pela urgência de uma necessidade presente que faz desejar a existência de um sentimento
que o homem nem conheceu nem provou. Como pai, corrige, mas, como pai também,
não se vinga.
Guardai-vos
dessas ideias preconcebidas de vingança celeste, restos perdido de um erro
antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas cuja porta está aberta sobre
vossas novas doutrinas, e que vos conduziriam diretamente ao quietismo
oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para
diminuí-la ainda por crenças errôneas; quanto mais vos sentirdes libertos em
vós, mais tereis responsabilidade, sem dúvida; mas, mais também os esforços de
vossa vontade vos conduzirão para a frente no caminho do progresso.
PASCAL.
Revista Espírita. Maio de 1865.