sábado, 5 de julho de 2014

Suicídio por Amor

(PROBLEMAS MORAIS)


Há sete ou oito meses, o chamado Louis G..., operário sapateiro, fazia a corte a uma senhorita Victorine R..., pespontadora de botinas, com a qual se deveria casar muito brevemente, uma vez que os proclamas estavam em curso de publicação. Estando as coisas nesse, ponto, os jovens se consideravam quase que como definitivamente unidos, e, por medida de economia, o sapateiro vinha, cada dia, para tomar suas refeições, na casa de sua noiva.
Quarta-feira última, tendo vindo Louis, como de costume, jantar na casa da pespontadora de botinas, sobreveio uma contestação, a propósito de uma futilidade; obstinaram-se de parte a parte, e as coisas chegaram ao ponto de Louis deixar a mesa, e jurando partir para jamais voltar.

No dia seguinte, todavia, o sapateiro, embaraçado, veio ceder enfim e pedir perdão: sabe-se que a noite é boa conselheira; mas a operária, talvez prejulgando, segundo a cena da véspera, o que poderia sobrevir quando não tivesse mais tempo de se desdizer, recusou se reconciliar, e, protestos, lágrimas, desespero, nada fê-la dobrar-se. Anteontem à tarde, entretanto, como vários dias decorreram desde aquele da desunião, Louis, esperando que sua bem-amada estivesse mais tratável, quis tentar um último entendimento: chegou, pois, e bateu à porta de modo a se fazer conhecer, mas ela recusou abrir; então, novas súplicas da parte do pobre intrigado, novos protestos através da porta, mas nada pôde tocar a implacável pretendida. "Adeus, pois, malvada! gritou enfim o pobre rapaz, adeus para sempre! Tratai de encontrar um marido que vos ame tanto quanto eu! Ao mesmo tempo a jovem ouviu uma espécie de gemido abafado, depois como o barulho de um copo que cai escorregando ao longo de sua porta, e tudo voltou ao silêncio; então ela se imaginou que Louis se instalou na soleira da porta para esperar sua primeira saída, mas ela se prometeu não pôr o pé para fora, enquanto ele ali estivesse.


Fora apenas há um quarto de hora que isso ocorrera, quando um locatário que passava sobre o patamar com uma luz, soltou uma exclamação e pediu socorro. Logo os vizinhos chegaram, e a senhorita Victorine, tendo igualmente aberto sua porta, lançou um grito de horror, percebendo estendido sobre o ladrilho, seu pretendido pálido e inanimado. Cada um se apressa em lhe dar socorro, informou-se de um médico, mas logo se percebeu que tudo seria inútil, e que ele deixou de existir. O infeliz jovem havia mergulhado seu trinchete na região do coração, e o ferro ficara na ferida.

Esse fato, que encontramos no Siècle do dia 7 de abril último, sugeriu o pensamento de dirigir-se, a algum Espírito superior, algumas perguntas sobre suas conseqüências morais. Hei-las aqui, assim como as respostas que nos foram dadas pelo Espírito de São Luís, na
sessão da Sociedade do dia 10 de agosto de 1858.

1. A jovem, causa involuntária da morte de seu amante, tem responsabilidade? - R. Sim, porque ela não o amava.

2. Para prevenir essa infelicidade, deveria desposá-lo apesar da sua repugnância? - R. Ela procuraria uma ocasião para se separar dele; ela fez no começo de sua ligação o que deveria fazer mais tarde.

3. Assim sua culpa consiste em ter mantido nele os sentimentos que ela não partilhava, sentimentos que causaram a morte do jovem? - R. Sim, é isso.

4. Sua responsabilidade, nesse caso, deve ser proporcional à sua falta; não deve ser tão grande como se ela tivesse provocado voluntariamente a morte? - R. Isso salta aos olhos.

5. O suicídio de Louis, encontra uma desculpa no descaminho em que o mergulhou a obstinação de Victorine? - R. Sim, porque seu suicídio, que provém do amor, é menos criminoso aos olhos de Deus do que o suicídio do homem que quer se libertar da vida por um motivo de covardia.

Nota. - Dizendo que esse suicídio é menos criminoso aos olhos de Deus, isso significa, evidentemente, que há criminalidade, embora menor. A falta consiste na fraqueza que não soube vencer. Sem dúvida, era uma prova sob a qual ele sucumbiu; ora, os Espíritos nos ensinam que o mérito consiste em lutar, vitoriosamente, contra as provas de todas as espécies, que são a própria essência de nossa vida terrestre.

O Espírito de Louis C... tendo sido evocado uma outra vez, se lhe dirigem as perguntas seguintes:

1. Que pensais da ação que cometestes? - R. Victorine é uma ingrata; eu errei em matar-me por ela, porque ela não o merecia.

2. Ela, pois, não vos amava? - R. Não; ela acreditou no início; iludiu-se; a cena que lhe fiz abriu-lhe os olhos; então, ela ficou contente com esse pretexto para se desembaraçar de mim.

3. E vós, a amavas sinceramente? - R. Tinha paixão por ela: eis tudo, eu acreditava; se amasse com amor puro, não teria querido causar-lhe pesar.

4. Se ela soubesse que queríeis realmente vos matar, teria persistido em sua recusa? - R. Não sei; não creio, porque ela não é má; mas ela seria infeliz; foi melhor para ela que isso se passou assim.

5. Chegando à sua porta, tínheis a intenção de vos matar em caso de recusa? - R. Não; não pensava nisso; não acreditava que ela seria tão obstinada; não foi senão quando vi sua obstinação, quando então a vertigem me tomou.

6. Pareceis não lamentar o vosso suicídio senão porque Victorine não a merecia; é o único sentimento que experimentais? - R. Neste momento, sim; estou ainda todo perturbado; parece-me estar à sua porta; mas sinto outra coisa que não posso definir.

7. Compreendê-la-eis mais tarde? -- R. Sim, quando estiver esclarecido... Fiz mal; devia deixá-la tranqüila... Fui fraco e disso carrego a pena... Vede bem, a paixão cega o homem e leva-o a fazer tolices. Só o compreende quando não há mais tempo.

8. Dissestes que disso carregavas a pena; que pena sofreis? -R. Errei em abreviar minha vida; não o devia; devia suportar tudo antes que pôr-lhe fim antes do tempo; aliás, sou infeliz; sofro; é sempre ela quem me faz sofrer; ela me parece ainda ali, à sua porta; a ingrata! Não me faleis dela mais; não quero nela mais pensar, isso me faz muito mal. Adeus.

REVISTA ESPÍRITA - SETEMBRO DE 1858



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