sábado, 22 de novembro de 2014

O Magnetismo e Sua História

Saindo das graves discussões dos capítulos preceden­tes, parecerá talvez bizarro a certas pessoas, que entremos num assunto como o magnetismo, ciência que até então não pôde achar direito de cidade nas academias.
Muito tempo desconhecido, ridicularizado e mesmo perseguido, o magnetismo, como todas as grandes verda­des, tem vida forte; longe de definhar ao sopro das perse­guições, tomou um desenvolvimento considerável e se nos apresenta com seu cortejo de homens ilustres e eruditos, com milhões de experiências probantes, como para mostrar à Humanidade de que aberrações são capazes as corporações científicas.
Há hoje uma reação em seu favor. Em todas as partes, os jornais, as revistas médicas se ocupam com os fatos maravilhosos produzidos pelo hipnotismo, nome novo de que o magnetismo se revestiu. Ao abrigo desse pseudô­nimo, insinuou-se no santuário dos príncipes da ciência, que o não reconhecendo, a princípio, lhe fizeram boa aco­lhida; agora, porém, sabendo com que tratam, desejaria negar-lhe o parentesco estreito com o magnetismo,'que continuam a proscrever.
Antes de estudar esse recém-chegado em capítulo es­pecial, ocupemo-nos do magnetismo propriamente dito. Na primeira parte desta obra, ficou estabelecido que a ciência não autorizava ninguém a falar em seu nome, quando se trata de combater a existência da alma. Os mais eminentes fisiologistas reconhecem sua incapacidade para explicar a vida intelectual, sem a intervenção de uma força inteligente. A filosofia concluiu pela necessidade do princípio pensante; a experiência, por sua vez, prova à evidência, pelos processos do magnetismo, a presença da alma como potência diretriz da máquina humana.
  

Há um século pesquisas minuciosas se fazem nesse domínio. Homens sérios, convictos e dedicados mostraram que o charlatanismo não tem parte alguma nas verdadeiras ações magnéticas e que se achavam em face de uma modifi­cação nervosa que era preciso estudar.
Puységur, Deleuze, Du Potet, Charpignon, Lafon­taine e outros, homens de ciência e de incontestada hones­tidade, descreveram, em suas numerosas publicações, mi­lhares de experiências verídicas, que constam em atas assi­nadas pelos nomes mais honestos e mais conhecidos. Negar hoje os fatos, seria infantilidade ou má fé.
A fim de mostrar nossa imparcialidade, só tomaremos, como demonstração da existência da alma, as experiências bem averiguadas; reportar-nos-emos, em grande parte, ao relatório sobre o magnetismo apresentado à Academia de Medicina, e lido nas sessões de 21 e 28 de junho de 1831, em Paris, por Husson, relator.
Os outros testemunhos serão tomados, ora a adver­sários das doutrinas espiritualistas, que não poderão ser acusados de complacência, ora a escritores especiais, que trataram destas questões, mas, neste caso, as suas narrati­vas se apoiam na autoridade de médicos, que as acompa­nharam em todas as suas fases.
Deste modo, poderemos raciocinar sobre observações autênticas e delas tirar conclusões tão claras como as que se deduzem do estudo da natureza e que foram formuladas sob o nome de leis físicas e químicas.


Histórico


A ciência magnética compreende certo número de di­visões, conforme as diferentes categorias de fenômenos. Assinalaremos, aqui, os fatos que se relacionam com o desprendimento da alma, deixando de lado o aspecto tera­pêutico dessa ciência cultivada pelos nossos antepassados.
Sem fazer a história detalhada do magnetismo, pode­mos lembrar que ele foi conhecido em todos os tempos. Os anais dos povos da antigüidade formigam em narrativas circunstanciadas, que mostram o profundo conhecimento que do magnetismo tinham os antigos sacerdotes.
Os magos da Caldeia, os brâmanes da índia curavam pelo olhar e por meio dele proporcionavam o sono. Ainda hoje, na Ásia, os sacerdotes estão de posse do segredo dos seus predecessores, e particularmente no Hindostão os faquires cultivam com êxito as práticas magnéticas, como relatam os viajantes que percorreram essas regiões.
Os egípcios colheram sua religião e seus mistérios na grande fonte da índia; empregavam, no alívio dos sofri­mentos, os passes e a aposição de mãos, como os executa­mos ainda em nossos dias. Cita Heródoto, em muitas passa­gens, os santuários onde iam ter os peregrinos, desejosos de curar-se com os remédios que os hierofantes descobriam em sonho. Diodoro de Sicília diz positivamente que os doentes chegavam em multidão ao templo de Ísis, para aí serem adormecidos pelos sacerdotes. A maior parte dos pacientes caíam em crise e indicavam, eles mesmos, o tratamento que os devia reconduzir à saúde.
O templo de Serápis, de Alexandria, era afamado, porque restituía o sono aos que dele se viam privados. Conta Estrabão que, em Mênfis, os sacerdotes adormeciam e nesse estado davam consultas médicas. A História está repleta das narrações de curas por esse processo. Arnóbio, Celso e Jâmblico ensinam em seus escritos que havia entre os egípcios, em todas as épocas, pessoas dotadas da facul­dade de curar por meio da aposição das mãos e de insufla­ções, conseguindo, muitas vezes, fazer desaparecer doen­ças tidas como incuráveis.
Os gregos, por sua vez, receberam dos povos do Egito grande número de conhecimentos e não tardaram a igualar, senão a ultrapassar os mestres. Os hierofantes do altar de Trofônius tinham adquirido grande celebridade nesses misteres. O que prova que o magnetismo estava muito espalhado nessa época é que, no dizer de Heródoto, alguns padres mataram por ciúme certa mágica que fazia curas por meio de fricções magnéticas.
O ilustre taumaturgo Apolônio de Tiana não ignorava essas práticas; ele curava a epilepsia com objetos magneti­zados, predizia o futuro e anunciava os acontecimentos que se passavam ao longe. Conserva-se a lembrança do seguinte caso:
Em sua velhice, o filósofo se refugiara em Éfeso. Ensinava um dia em praça pública, quando seus discípulos o viram deter-se, de repente, e exclamar, com voz vibrante: Coragem, fere o tirano! Interrompeu-se alguns instantes, na atitude de quem espera com ansiedade, e continuou:
- Perdei o temor, Efésios, o tirano já não existe, acaba de ser assassinado.
Alguns dias depois, soube-se que no momento em que Apolônio falava, Domiciano tombava sob o punhal de um liberto.
Os romanos também tiveram templos onde se reconsti­tuía a saúde por operações magnéticas. Conta Celso que Asclepíades de Pruse adormecia, magneticamente, as pes­soas atacadas de frenesi. Galeno, um dos pais da medicina moderna, suprimia certas doenças com a aplicação dos mesmos remédios que o fizeram passar por feiticeiro e o obrigaram a deixar Roma.
Declarou este notável sábio, que devia grande parte de sua experiência às luzes que recebia em sonho. Também dizia Hipócrates que as melhores mezinhas lhe eram indica­das durante o sono. Quem obteve, porém, maior fama nessa matéria, foi Simão, o mágico, que soprando nos epilépticos, destruía o mal de que estavam atacados.
Na Gália os drúidas e as druidesas possuíam em alto grau a faculdade de curar, como o atestam muitos historia­dores; sua medicina magnética tornou-se tão célebre que os vinham consultar de todas as partes do Mundo. É fácil verificar quanto sua fama era universal, consultando Táci­to, Plínio e Celso. Na Idade Média, o magnetismo foi praticado, principalmente, pelos sábios. O clero, ignorante e supersticioso, temia a intervenção do diabo nessas opera­ções um tanto estranhas, de sorte que esta ciência ficou sendo o apanágio dos homens instruídos.
Avicena, doutor famoso, que viveu de 980 a 1036, escreveu que a alma age não só sobre o seu próprio corpo, senão ainda sobre corpos estranhos que pode influenciar, à distância.
Ficin, em 1460, Cornélio Agripa, Pomponáceo em 1500 e sobretudo Paracelso, contemporâneo deles, estabe­leceram as bases do magnetismo moderno, como devia ser ensinado mais tarde por Mésmer.
Arnaud de Villeneuve foi buscar nos autores árabes o conhecimento dos efeitos magnéticos e seu êxito foi tão grande, que ele atraiu o ódio de seus confrades e foi condenado pela Sorbona.
Em 1608, Glocênius, professor de medicina em Mar­bourg, editou uma obra que tratava das curas magnéticas. Desde essa época ele procurou dar uma explicação racional desses fenômenos.
Van Helmont dizia, reabilitando a memória de Para­celso, de quem ele foi o continuador: O magnetismo só tem de novo o nome, só é um paradoxo para os que riem de tudo e que atribuem a Satã o que não podem explicar. Há no homem, diz mais adiante, uma tal energia, que ele pode atuar fora de si e influenciar de maneira durável um ser ou um objeto de que está afastado. Tal força é infinita no Criador, mas limitada na criatura, pelos obstáculos naturais. Estas concepções novas, estas vistas ousadas foram atacadas pela Igreja, que se encontra sempre na rota dos inovadores, empenhada em lhes impedir a passagem, e o célebre médico foi obrigado a refugiar-se na Holanda, onde já estava o grande Descartes.
Socorreu Van Helmont, em sua luta, o escocês Robert Fludd; mais tarde, Maxwell, em 1679, sustentou as mesmas idéias. O padre Kircher, falando de Fludd, dizia que seus escritos foram inspirados pelo diabo; cita, entretanto, nu­merosos exemplos de simpatias e antipatias e dá, mesmo, indicações para bem magnetizar.
Em 1682, assinalaremos Greatrakes, na Inglaterra, que fez milagres, simplesmente com as mãos, sem procurar, aliás, saber, a maneira por que a ação se dava.
Em França, Borel e Vallée, em começo do século XVII, empregaram o magnetismo por insuflações para com­bater as moléstias nervosas rebeldes a qualquer outro trata­mento. Gassner encheu a Alemanha com o ruído dos resul­tados obtidos pelo magnetismo, como é ele praticado em nossos dias. Fixava energicamente o olhar nos olhos do doente, e o friccionava de alto a baixo, sacudindo os dedos, quando chegava à extremidade, para expulsar os princípios maus.
Não narraremos a odisséia de Mésmer; ela é bastante conhecida e por isso cremos desnecessário reproduzi-Ia; basta assinalar que a vulgarização da ciência magnética lhe é devida.
O magnetismo é hoje estudado metodicamente, e uma notável propriedade descoberta pelo marquês de Puységur lhe fez dar passos de gigante: queremos falar do sonambu­lismo provocado, que será objeto de nosso próximo estudo. Não tendo o intuito de estender-nos sobre a história do magnetismo, paramos aqui. Era apenas nossa intenção mos­trar que esta ciência, motejada pelos ignorantes ou par­ciais, tem uma genealogia gloriosa e remonta a épocas bem afastadas.
Ainda há pouco tempo, atribuíam-se à credulidade e à superstição as narrativas dos antigos relativas às curas magnéticas. Atualmente, as pesquisas nesse campo tendo­-nos feito ver que se podiam obter os mesmos resultados, enchemo-nos por isso de admiração por esses sacerdotes que possuíam uma ciência tão completa da vida e que a exerciam com tanta habilidade.

SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO I
O Espiritismo Perante a Ciência - Gabriel Delanne

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