Saindo das graves
discussões dos capítulos precedentes, parecerá talvez bizarro a certas
pessoas, que entremos num assunto como o magnetismo, ciência que até então não
pôde achar direito de cidade nas academias.
Muito tempo
desconhecido, ridicularizado e mesmo perseguido, o magnetismo, como todas as
grandes verdades, tem vida forte; longe de definhar ao sopro das perseguições,
tomou um desenvolvimento considerável e se nos apresenta com seu cortejo de
homens ilustres e eruditos, com milhões de experiências probantes, como para
mostrar à Humanidade de que aberrações são capazes as corporações científicas.

Antes de
estudar esse recém-chegado em capítulo especial, ocupemo-nos do magnetismo
propriamente dito. Na primeira parte desta obra, ficou estabelecido que a
ciência não autorizava ninguém a falar em seu nome, quando se trata de combater
a existência da alma. Os mais eminentes fisiologistas reconhecem sua
incapacidade para explicar a vida intelectual, sem a intervenção de uma força
inteligente. A filosofia concluiu pela necessidade do princípio pensante; a
experiência, por sua vez, prova à evidência, pelos processos do magnetismo, a
presença da alma como potência diretriz da máquina humana.

A fim de
mostrar nossa imparcialidade, só tomaremos, como demonstração da existência da
alma, as experiências bem averiguadas; reportar-nos-emos, em grande parte, ao
relatório sobre o magnetismo apresentado à Academia de Medicina, e lido nas
sessões de 21 e 28 de junho de 1831, em Paris, por Husson, relator.

Deste modo,
poderemos raciocinar sobre observações autênticas e delas tirar conclusões tão
claras como as que se deduzem do estudo da natureza e que foram formuladas sob
o nome de leis físicas e químicas.
Histórico
A ciência
magnética compreende certo número de divisões, conforme as diferentes
categorias de fenômenos. Assinalaremos, aqui, os fatos que se relacionam com o
desprendimento da alma, deixando de lado o aspecto terapêutico dessa ciência
cultivada pelos nossos antepassados.
Sem fazer a
história detalhada do magnetismo, podemos lembrar que ele foi conhecido em
todos os tempos. Os anais dos povos da antigüidade formigam em narrativas
circunstanciadas, que mostram o profundo conhecimento que do magnetismo tinham
os antigos sacerdotes.
Os magos da
Caldeia, os brâmanes da índia curavam pelo olhar e por meio dele proporcionavam
o sono. Ainda hoje, na Ásia, os sacerdotes estão de posse do segredo dos seus
predecessores, e particularmente no Hindostão os faquires cultivam com êxito as
práticas magnéticas, como relatam os viajantes que percorreram essas regiões.
Os egípcios
colheram sua religião e seus mistérios na grande fonte da índia; empregavam, no
alívio dos sofrimentos, os passes e a aposição de mãos, como os executamos
ainda em nossos dias. Cita Heródoto, em muitas passagens, os santuários onde
iam ter os peregrinos, desejosos de curar-se com os remédios que os hierofantes
descobriam em sonho. Diodoro de Sicília diz positivamente que os doentes
chegavam em multidão ao templo de Ísis, para aí serem adormecidos pelos
sacerdotes. A maior parte dos pacientes caíam em crise e indicavam, eles
mesmos, o tratamento que os devia reconduzir à saúde.

Os gregos,
por sua vez, receberam dos povos do Egito grande número de conhecimentos e não
tardaram a igualar, senão a ultrapassar os mestres. Os hierofantes do altar de
Trofônius tinham adquirido grande celebridade nesses misteres. O que prova que
o magnetismo estava muito espalhado nessa época é que, no dizer de Heródoto,
alguns padres mataram por ciúme certa mágica que fazia curas por meio de
fricções magnéticas.
O ilustre
taumaturgo Apolônio de Tiana não ignorava essas práticas; ele curava a
epilepsia com objetos magnetizados, predizia o futuro e anunciava os
acontecimentos que se passavam ao longe. Conserva-se a lembrança do seguinte
caso:
Em sua
velhice, o filósofo se refugiara em Éfeso. Ensinava um dia em praça pública,
quando seus discípulos o viram deter-se, de repente, e exclamar, com voz
vibrante: Coragem, fere o tirano! Interrompeu-se alguns instantes, na atitude
de quem espera com ansiedade, e continuou:
- Perdei o
temor, Efésios, o tirano já não existe, acaba de ser assassinado.
Alguns dias
depois, soube-se que no momento em que Apolônio falava, Domiciano tombava sob o
punhal de um liberto.
Os romanos
também tiveram templos onde se reconstituía a saúde por operações magnéticas.
Conta Celso que Asclepíades de Pruse adormecia, magneticamente, as pessoas
atacadas de frenesi. Galeno, um dos pais da medicina moderna, suprimia certas
doenças com a aplicação dos mesmos remédios que o fizeram passar por feiticeiro
e o obrigaram a deixar Roma.
Declarou
este notável sábio, que devia grande parte de sua experiência às luzes que
recebia em sonho. Também dizia Hipócrates que as melhores mezinhas lhe eram
indicadas durante o sono. Quem obteve, porém, maior fama nessa matéria, foi
Simão, o mágico, que soprando nos epilépticos, destruía o mal de que estavam
atacados.
Na Gália os
drúidas e as druidesas possuíam em alto grau a faculdade de curar, como o
atestam muitos historiadores; sua medicina magnética tornou-se tão célebre que
os vinham consultar de todas as partes do Mundo. É fácil verificar quanto sua
fama era universal, consultando Tácito, Plínio e Celso. Na Idade Média, o
magnetismo foi praticado, principalmente, pelos sábios. O clero, ignorante e
supersticioso, temia a intervenção do diabo nessas operações um tanto
estranhas, de sorte que esta ciência ficou sendo o apanágio dos homens
instruídos.
Avicena,
doutor famoso, que viveu de 980 a 1036, escreveu que a alma age não só sobre o
seu próprio corpo, senão ainda sobre corpos estranhos que pode influenciar, à
distância.
Ficin, em
1460, Cornélio Agripa, Pomponáceo em 1500 e sobretudo Paracelso, contemporâneo
deles, estabeleceram as bases do magnetismo moderno, como devia ser ensinado
mais tarde por Mésmer.
Arnaud de
Villeneuve foi buscar nos autores árabes o conhecimento dos efeitos magnéticos
e seu êxito foi tão grande, que ele atraiu o ódio de seus confrades e foi
condenado pela Sorbona.
Em 1608,
Glocênius, professor de medicina em Marbourg, editou uma obra que tratava das
curas magnéticas. Desde essa época ele procurou dar uma explicação racional
desses fenômenos.

Socorreu Van
Helmont, em sua luta, o escocês Robert Fludd; mais tarde, Maxwell, em 1679,
sustentou as mesmas idéias. O padre Kircher, falando de Fludd, dizia que seus
escritos foram inspirados pelo diabo; cita, entretanto, numerosos exemplos de
simpatias e antipatias e dá, mesmo, indicações para bem magnetizar.
Em 1682,
assinalaremos Greatrakes, na Inglaterra, que fez milagres, simplesmente com as
mãos, sem procurar, aliás, saber, a maneira por que a ação se dava.
Em França,
Borel e Vallée, em começo do século XVII, empregaram o magnetismo por
insuflações para combater as moléstias nervosas rebeldes a qualquer outro
tratamento. Gassner encheu a Alemanha com o ruído dos resultados obtidos pelo
magnetismo, como é ele praticado em nossos dias. Fixava energicamente o olhar
nos olhos do doente, e o friccionava de alto a baixo, sacudindo os dedos,
quando chegava à extremidade, para expulsar os princípios maus.
Não
narraremos a odisséia de Mésmer; ela é bastante conhecida e por isso cremos
desnecessário reproduzi-Ia; basta assinalar que a vulgarização da ciência
magnética lhe é devida.

Ainda há
pouco tempo, atribuíam-se à credulidade e à superstição as narrativas dos
antigos relativas às curas magnéticas. Atualmente, as pesquisas nesse campo
tendo-nos feito ver que se podiam obter os mesmos resultados, enchemo-nos por
isso de admiração por esses sacerdotes que possuíam uma ciência tão completa da
vida e que a exerciam com tanta habilidade.
SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO I